''Negar aquilo que é Absoluto. Negar o Certo e o Errado. Além do Bem e do Mal. Afundar Teorias. Leis. Regras. Destruir o Muro da Realidade. Quebrar os tijolos da Verdade. Obedecer a uma Lei única. A Lei da vontade própria. E assim eu faço a vida. A Liberdade. Eis é a chave da Vida. Uma vida plena de verdade.''

domingo, 19 de outubro de 2008

Vidas em pétulas

Para deixár-mos um pouco de lado nosso textos de "como odiamos tanto alguma coisa" estou abrindo as portas para a literatura, digamos, artística (e espero que contagie meus colegas de blog a fazerem o mesmo, pelo menos uma vez na vida hehehe) .... boa leitura.

"aquele maltrapilho do parque..."
"expecifique."
"o que falava com as flores."


Vidas em pétulas

Alguns trapos sujos, o que sobrou de um cobertor feito de retalhos, uma barba a fazer de meses e uma história mais dramática que qualquer obra romântica ja feita. Um maltrapilho que vivia de desejos, aparecia no parque, de tempos em tempos, em dias de sol. Realmente ensolarados. Nunca fez nada para chamar atenção, e acabou despertando nos transeuntes uma curiosidade absurda, uma curiosidade que causou cólicas, que então transformou conceitos.

--x--

"Bom dia minhas queridas"
E, óbviamente, não teve respostas.
"Me lembrei que hoje vocês floreceriam, e vim correndo para vê-las lindas, vestidas para uma noite de trajes finos."
"Como vocês estão lindas. Verdadeiras damas"
Ele ja tinha um voz trêmula e muito cansada. De repente, uma Maria-Sem-Vergonha branca lhe olha nos olhos.
"Nos sentimos fervorosas pela sua visita em um dia tão especial"
"Eu sei minha mocinha, por isso vim."
"Deve ter se cançado vindo abaixo desse sol escaldante"
"Não tanto, já me acostumei há anos"
Naquele dia, as onze-horas floresceram pontualmente, as flores amarelas contrastavam com as vermelhas, e o sol não deu descanço, até se pôr, transformando o ambiente, se mostrando ao mendigo, e somente ele contemplava sua amante se encolher no horizonte.

--x--

O inverno sempre foi um inferno. Flores não floresciam, tudo era muito úmido, chovia frequentemente e as cores sumiam das ruas, do lar do homem que conversava com as flores. Eram tempos difíceis, tempos de ossos trêmulos, de lábios escuros e de respiração pesada. O homem comia o pão que o diabo amassou todo dia, porém no inverno tudo era pior. Aqueles meses se resumiram em idas aos hospitais, voltas em ambulâncias e farmácias de póstos de saúde. Sua saúde se definhava dia-após-dia, noite-após-noite.
Em um amanhecer de algum sábado, em algum parque pelo centro da cidade, o maltrapilho havia pulado a cerca do jardim, e estava escorado no tronco de uma grande árvore, com as raízes expostas, grossas, com os galhos secos, e uma fina garoa caía nas suas vestes. Um tempo cinza, de cores moribundas. O chão repleto de grama enxarcada, última esperança da primavera. O céu estava mais claro a algum tempo, e de onde estava, seria enxarcado por raios do sol assim que eles decidissem aparecer.
No chão, ao olhar para o horizonte, uma grande onda de esperança tomou o homem, quando seus olhos viram uma flor que ele nunca havia visto igual, de pétalas delicadas, uma cor viva, algo vivo naquele inverno, de textura adocicada. Seus olhos encheram de lágrimas, e ele se aproximou, deitado no chão, com o peito doído, com o coração explodindo de felicidade.
"Meu anjo, o que faz aqui? fora de uma estufa, de um ambiente quente?"
Não houve resposta. A flor tinha a borda das pétalas moles, debilitadas.
"O que eu posso fazer por você? ahn?"
"Me dê companhia, fique comigo"
"Precisamos tirar você daqui!"
"Não. Nessa curta vida que temos, precisamos aprender a aceitar certas coisas, principalmente as que não tem solução."
O ar já tinha um cheiro de manhã, e no horizonte o céu ja estava claro como o dia.
"O que você quer dizer? me fale minha querida."
"Essa dor no seu peito, ela termina hoje meu amigo."
"O sol esta vindo, ele vai te ajudar."
O maltrapilho passava a manga suja na flor, para tirar toda água e frio que podia.
"Ele veio nos buscar. Veio nos buscar para descansár-mos. É uma honra receber o afeto de tal criatura, tão explendosa, imponente"
"Fale menos, poupe seus esforços."
"Você também meu amigo, poupe esforços, e observe a perfeição de um raiar do sól"
No ponto alto de uma distante montanha, o branco tomava conta do céu, e fazia um degradê de azul até um azul forte, cheio de preto, que abençoava o homem no chão. Seu peito doía cada vez mais.
"Vamos meu amigo, vamos observar o nosso fim, algo que não vai mudar nada no mundo, apenas dois a menos. Precisamos saborear pela última vez o gosto de ter a razão, vamos olhar ao redor, vamos confirmar a degradação disso tudo"
Os olhos do homem percorreram o parque, e ele acabou entendendo o quão ínfima seria sua partida, enquanto algumas pessoas já transitavam pelas ruas. Apressadas.
Os raios de sol banharam sua pele, deixando seus olhos ofuscados. revelando lágrimas que se faziam brilhantes. O calor bateu no seu peito, do lado esquerdo, e fez explodir uma pontada forte. O sol lhe extendeu a mão, e ele a segurou.

Nuno Rosa

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